Como e porque os centros urbanos estão sendo revitalizados, em destaque o Porto do Rio de Janeiro

O futuro aponta para o centro
Os olhares se voltam para as áreas centrais. Pelo menos em algumas capitais brasileiras, o apelo de urbanistas começa a ser ouvido: a volta ao centro deve se tornar realidade, com projetos que propõem a recuperação de áreas degradadas ou que exigem novos usos. Pelo bem da cidade sustentável e, claro, da especulação imobiliária
Por Cleide Floresta

Nos próximos anos, regiões centrais de algumas das principais capitais brasileiras devem se transformar em um grande canteiro de obras. Há muito clamando por atenção, essas regiões têm sido alvo de projetos de revitalização que prometem dar nova cara a áreas importantes de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. Enquanto Porto Alegre e o Rio se voltam para suas regiões portuárias de olho na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016.

Se, no papel, todos esses projetos dão a impressão de que o paradigma dos centros urbanos está próximo de mudar, urbanistas alertam para os perigos que os permeiam. Para o arquiteto Sergio Magalhães, presidente do IAB-RJ, recuperar os centros urbanos é uma necessidade, mas ainda está no plano do discurso. Para virar realidade, essa retomada tem de ser encarada como prioridade pelos governos. “As cidades precisam reforçar suas identidades coletivas e, de um modo geral, sob o ponto de vista simbólico e dos equipamentos, elas estão localizadas nas áreas mais antigas, que são as centrais”, afirma.
O arquiteto, defensor da revitalização do porto do Rio, acredita que é preciso aproveitar a infraestrutura presente nas regiões centrais que liga diversos bairros, no lugar de apostar em locais mais distantes. “Sob o ponto de vista demográfico, já não se prevê um crescimento expressivo. Em alguns casos, pode até haver estabilidade, como é o caso do Rio de Janeiro. Aquela ideia de que é preciso mais e mais terra precisa ser repensada. Quanto mais terra temos, mais complexa é a própria cidade. Mais difícil fica recolher o lixo e dar infraestrutura”, reflete.

O grande desafio, afirmam arquitetos e urbanistas, é vincular esses novos projetos à habitação. Voltando-se apenas para serviços e cultura, os governos não só não trarão as pessoas de volta para a região, como correm o risco de expulsar uma parcela da população – de baixa renda -, que se apoderou das regiões centrais quando elas foram deixadas de lado. “Os centros das cidades brasileiras viveram muitos anos de abandono do poder público, cujo olhar se voltava principalmente para as áreas das elites. É muito importante os governos voltarem a fazer propostas para as áreas centrais. Mas essas propostas têm de levar em consideração a população de baixa renda que se apropriou dessas áreas, e não simplesmente expulsá-la e elitizar a área”, defende Eduardo Nobre, professor da FAUUSP e coordenador do grupo de trabalho de urbanismo do IAB-SP. E completa: “os centros das cidades brasileiras são extremamente utilizados. É lá que historicamente se concentram instituições públicas, o comércio popular e os grandes equipamentos urbanos. Para que sejam utilizados ao máximo seria necessário que as pessoas voltassem a morar neles.
De acordo com Sergio Magalhães, se a saída do centro foi pensada – ele cita o exemplo de bairros como a Barra da Tijuca, projetado por Lucio Costa no final dos anos 1960 -, é preciso hoje um investimento para trazer as pessoas de volta, com projetos que contemplem a população e o uso misto dos locais. “Para uma região ter vida, precisa estar tudo junto. Muitos prédios foram abandonados e continuam assim até hoje”, afirma. “A recuperação dos centros se dá a partir do uso habitacional. A principal crítica hoje é o fato de a região central ter sido abandonada em função de outros bairros”, afirma o arquiteto mineiro Alexandre Brasil. Para ele, uma forma disso acontecer com financiamentos à habitação e incentivos especiais nessas regiões. “Por mais que o centro esteja degradado, é sempre um lugar caro. Comprar na periferia é mais barato.” Primeiros passos A preocupação com as regiões centrais é um movimento que começa nos anos 1980/1990, com projetos que tinham como principal enfoque os usos culturais, o que, apesar de trazer benefícios, acaba limitando os usos dos espaços.

Para Flávio Kiefer, arquiteto e professor da Universidade Luterana do Brasil em Canoas, RS, a investida cultural foi uma primeira fase. “Essa discussão chega aqui tardiamente, lá fora começou nos anos de 1950. Até então, o discurso era de abandonar o centro, de descentralizar, porque o centro era velho, decadente. Não eram considerados antigos, mas velhos. Então ninguém queria. Quem fez esse primeiro esforço foi o poder público. E, na verdade, as pessoas interessadas em cultura é que brigaram por esses prédios. Então acabou a cultura chegando primeiro”, diz ele, que acredita que a realidade começa a mudar.

Rio de Janeiro – O sonho olímpico

Obras grandiosas fazem parte do plano de revitalização da região portuária do Rio de Janeiro que, de olho nas Olimpíadas, quer atrair investimentos de mais de três bilhões de reais. Conta a favor do porto, hoje, o fato de a prefeitura ter conseguido levar para lá parte da Vila de Mídia e a Vila dos Árbitros. Serão oito mil unidades habitacionais que depois dos jogos serão transformadas em residências – mas ainda sem projeto nem local específico para serem construídas. Para o arquiteto Sergio Magalhães, quem sai ganhando com a transferência de parte dos investimentos é a cidade. “É desejável que o porto acolha as Olimpíadas para que indique outros investimentos públicos, que serão mais rentáveis para a sociedade”, diz.

O projeto, batizado de Porto Maravilha, vai afetar uma área de cinco milhões de metros quadrados, que tem hoje 22 mil habitantes. Para sua primeira fase, que começou em maio de 2010, o orçamento é de 350 milhões de reais, com investimento da prefeitura do Rio e do Ministério do Turismo. A segunda parte, a ser concluída até 2015, espera-se que seja custeada pela iniciativa privada e está orçada em três bilhões de reais. “O objetivo da primeira fase é ganhar credibilidade e sinalizar que as obras vão sair do papel. O projeto já tem 27 anos e existe uma descrença no mercado”, afirma Felipe Góes, presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, responsável pela coordenação das obras.

Para viabilizar a segunda fase, em agosto chega à Câmara dos Vereadores um projeto de lei para criar uma Operação Urbana Consorciada e alterar os limites de construção definidos no Plano Diretor mediante contrapartida de proprietários, moradores ou investidores. Aqui, a contrapartida será a compra de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), títulos emitidos pela prefeitura e conversíveis em direito adicional de construir. A prefeitura pretende arrecadar quatro bilhões de reais com a venda dos Cepacs para execução de empreendimentos. Além disso, propõe novos Coeficientes de Aproveitamento Máximo – de até 12 vezes a área do terreno – e gabaritos que podem chegar a 150 metros, ou 50 pavimentos. Seria o começo da verticalização desse trecho da cidade – alguns olham com entusiasmo, outros com a crítica de que os altos edifícios poderiam esconder a vista dos morros e do Corcovado.
Como exemplos de novos equipamentos, estão museus e um aquário – o AquaRio, que deve ser o maior aquário da América Latina com 25 mil m2 e projeto do arquiteto Alcides Horácio Azevedo. A previsão é que fique pronto em 2012.

O MAR (Museu de Arte do Rio) e o Museu do Amanhã são uma parceria da prefeitura com a Fundação Roberto Marinho – os dois devem ser entregues em 2012. O MAR é projeto dos arquitetos Paulo Jacobsen e Thiago Bernardes, que vai transformar dois edifícios – o Palacete Dom João VI, de 1916 e estilo eclético, e o prédio que hoje abriga o Hospital da Polícia Civil e o terminal rodoviário Mariano Procópio – na sede do museu. São 8,5 mil m2. O Museu do Amanhã, do espanhol Santiago Calatrava, ocupará uma área de 12,5 mil m2 no píer do cais e quer se transformar em um marco na arquitetura da cidade. Foi projetado para ser visto de diferentes pontos do Rio e unirá ciência, tecnologia e conhecimento com foco no meio ambiente. Obras de infraestrutura para revitalização da praça e do píer Mauá incluem calçamento, iluminação, drenagem e demolição de uma das alças de acesso à via elevada da Perimetral. As obras devem se iniciar dois meses após o encerramento das licitações, previsto para final de julho de 2010. Sob a praça será construído um estacionamento subterrâneo para 700 veículos – e concedido a uma empresa privada, que arcará com os custos da construção.

http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/197/o-futuro-aponta-para-o-centro-181294-1.asp
SOFIA VIEIRA SOUZA

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